DR. IVIS BEZERRA, AUTOR DESTE TRABALHO |
Às
19h30m do sábado, 23 de novembro de 1935, o 21º Batalhão de Caçadores do
Exército Brasileiro, sediado em Natal, iniciou um levante liderado por
sargentos e cabos filiados ao Partido Comunista do Brasil e à Aliança Nacional Libertadora,
organização política de esquerda, recebendo a adesão da direção do PCB e a
participação de operários, populares e ex-integrantes da guarda civil do
Estado. Consolidado o controle militar, foi instalado um autodenominado “Comitê
Popular Revolucionário” que durante 80 horas, até a madrugada do dia 27,
manteve o controle da capital e de 17 cidades do interior, dissolvendo-se e se
pondo em fuga, ante a aproximação de tropas leais ao governo federal,
provenientes dos Estados vizinhos. O episódio ocorreu simultaneamente com dois
outros levantes militares frustrados no Recife e no Rio de Janeiro,
desencadeando numa violenta repressão que levou à prisão de milhares de
cidadãos, entre eles o líder comunista Luís Carlos Prestes, e culminou com o
golpe militar de 1937 que implantou o regime de direita denominado Estado Novo.
Finalmente, apesar do curto período, da ausência de medidas sociais de maior
vulto e da desorientação de seus líderes, entrou para a história como a
primeira experiência comunista de governo no continente americano.
Não
tenho a pretensão de analisar sociologicamente as causas da revolta ou as suas
conseqüências para história política do País, mas apenas oferecer às novas
gerações com base na razoável literatura existente, em pesquisa na imprensa da
época e na memória pessoal do autor, na condição de filho e neto de
contemporâneos do episódio, as informações que possam ajudar a dirimir algumas
das dúvidas existentes. Constitui também uma homenagem àqueles que, de um lado
ou de outro, acertada ou equivocadamente, há 70 anos, com idealismo e
patriotismo, lutaram por mudanças sociais ou defenderam a legalidade.
Os antecedentes nacionais
A partir de 1932 o país viveu uma fase de agitação política, social e militar, talvez nunca igualada em outros períodos de nossa história e que somente terminou no final de 1935, com as revoltas militares do Rio de Janeiro, Recife e Natal, cuja derrota deu início ao longo período de repressão que culminou com a implantação do Estado Novo, em 1937, e findou com a redemocratização e a deposição de Vargas, em 1945.
A
revolução de 1930, tendo como bandeiras a representatividade do voto popular, o
combate ao coronelismo político, à corrupção e ao atraso econômico, derrubou a
República Velha, cujos principais expoentes eram os chefes políticos
tradicionais de São Paulo e Minas Gerais, que se alternavam no poder, na
chamada “política do café com leite”, numa alusão às principais atividades
econômicas daqueles Estados. A ascensão de Getúlio Vargas ao governo provisório
foi fruto de uma aliança heterogênea de políticos emergentes com dissidentes
oportunistas do antigo regime e uma geração de jovens militares idealistas e
politizados que há uma década lutavam por reformas políticas, através de
intervenções militares.
A
primeira dessas foi o levante da guarnição do Forte de Copacabana, em 5 de
julho de 1922, liderada pelos tenentes Eduardo Gomes e Siqueira Campos, um
episódio que ficou conhecido como “Os Dezoito do Forte” e foi o ponto de
partida do movimento conhecido como “Tenentismo”, que empolgou toda uma geração
de militares, divididos ao longo de quadro décadas entre várias tendências
ideológicas, sendo alguns de seus expoentes, como Juarez Távora, Cordeiro de
Farias, Juraci Magalhães e Ernesto Geisel, orientadores do golpe militar de
1964. O Tenentismo era um movimento ao mesmo tempo nacionalista, contra a
dependência do capital externo, antioligárquico, no combate ao coronelismo
político e moralista, combatendo a corrupção nos vários níveis de governo. A
grande contradição do movimento tenentista reside em sucessivas tentativas de
purificação da democracia e valorização do voto popular através de intervenções
militares, dentro da tradição das forças armadas, desde a proclamação da
república. Em 1924, ocorreu o segundo 5 de julho, com o levante das guarnições
do exército e da Força Pública de São Paulo e de quartéis de exército na
fronteira do Rio Grande do Sul, que ao serem reprimidas pelas forças
legalistas, promoveram uma retirada estratégica e se uniram naquela que seria a
lendária Coluna Prestes, comandada pelo capitão Luís Carlos Prestes e que
contando com 1.500 homens, percorreria 25 mil quilômetros em 14 Estados,
durante 30 meses, até exilar-se na Bolívia, em 24 de março de 1927.
A
extraordinária capacidade de liderança militar, os dotes de estrategista
exímio, a austeridade pessoal e o caráter inatacável do jovem capitão de 24
anos, somaram-se à fama que a “coluna invicta” angariou no imaginário popular,
e resultou na entrega simbólica a Luís Carlos Prestes da liderança do
tenentismo e por extensão, daquela que então se denominava a Revolução
Brasileira, antioligárquica, liberal, moralista e industrializante. Exilado na
Bolívia e a seguir na Argentina, Prestes não era mais o idealista apolítico.
Iniciou-se na leitura de Marx e nos contatos com os comunistas argentinos. Após
a derrota de Getúlio Vargas nas eleições presidenciais de 1930 para o candidato
do presidente Washington Luís, Prestes, passa a ser assediado pelos tenentes e
pelo próprio Vargas, para assumir o comando do movimento militar. A essa
altura, descrente da democracia liberal-burguesa, funda a Liga de Ação
Revolucionária, de existência efêmera, recusa a adesão à Aliança Liberal no
famoso manifesto em que renega seu passado tenentista e afasta-se da maioria de
seus mais destacados comandados da Coluna, que apóiam Vargas, com ele chegam ao
poder em outubro de 1930 e assumem importantes funções no Governo Provisório e
tornam-se interventores em vários Estados. Combatido pelo Partido Comunista do
Brasil que, fundado em 1922, seguia então uma linha sectária, “obreirista”,
Prestes faz contato direto com a Internacional Comunista e é convidado para
passar uma temporada de estudos do marxismo-leninismo na União Soviética, para
onde viaja em setembro de 1931 e onde permanece até abril de 1934, quando chega
ao Brasil, em companhia de Olga Benário.
Enquanto
isso, a situação política no Brasil, deteriorava-se em face da crise econômica
e das contradições existentes no interior do Governo Vargas, um amontoado
heterogêneo de interesses conflitantes: os “tenentes” insatisfeitos com a
ausência de reformas sociais, os cafeicultores e industriais paulistas
inconformados com a perda do mando, os liberais clamando por eleições. Em 1932
eclode a Revolução Constitucionalista em São Paulo que, mesmo derrotada,
consegue um objetivo: pressionado, Vargas convoca eleições para uma Assembléia
Nacional Constituinte que, instalada em 15 de novembro de 1933, foi palco e
iniciou um período de dois anos dos mais agitados da vida parlamentar brasileira.
Apesar
da ampla maioria obtida pelo governo e da eleição indireta de Vargas para um
mandato constitucional de quatro anos (1934-1938), uma aguerrida bancada de
oposição repercutia no congresso a agitação e a polarização ideológica
existente no país. Plínio Salgado fundaria em 1933, a Ação Integralista
Brasileira, organização de orientação fascista que empolgou os setores de
direita, inclusive com forte penetração nos quartéis e marcada linha
anticomunista. De outro lado, começavam a se articular os setores democráticos
de esquerda, que incluíam socialistas, nacionalistas, trotskistas, operários,
camponeses, intelectuais e estudantes, para a formação de uma organização que
contrabalançasse o crescimento do fascismo e forçasse o Governo Vargas a tomar
medidas populares.
Instalada
em março de 1934, a Aliança Nacional Libertadora era uma frente ampla, cuja
principal força era constituída pelos tenentes dissidentes da Revolução de
1930, inconformados com os rumos tomados e que ainda reconheciam em Prestes o
seu líder e comandante. Seu presidente era o capitão da marinha Hercolino
Cascardo, revolucionário de 1930, democrata de esquerda e interventor federal
no Rio Grande do Norte, de julho de 1931 a julho de 1932. Oito dos dezessete
membros do Diretório Nacional eram militares. O Partido Comunista do Brasil
somente a ela aderiu após a decisão da Internacional Comunista de recomendar
aos seus partidos filiados, a política de frente popular. Antes disso, porém,
muitos “tenentes” comunistas haviam aderido. A chegada de Prestes ao Brasil,
seu apoio à Aliança Nacional Libertadora (ANL), e sua escolha para presidente
de honra incendiaram o tenentismo, aumentou a adesão ao movimento e produziu
uma seqüência de assembléias e manifestações populares, que culminaram com os
grandes comícios do dia 5 de julho, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Neste, o
estudante Carlos Lacerda leu o manifesto de Prestes, sectário e provocativo,
que ao final proclamava: “Abaixo o fascismo, por um Governo Popular Nacional
Revolucionário, todo o poder à ANL”. Seis dias depois, o governo publicou o
decreto de fechamento da ANL e a prisão de numerosos oficiais aliancistas.
Esses atos, embora não justificassem, influenciaram decisivamente a eclosão dos
levantes de novembro.
Compreensivelmente,
desde a adesão de Prestes ao marxismo-leninismo em 1929, o Partido Comunista o
rejeitava, em parte pelo radicalismo da linha “obreirista” que afastou da
direção os intelectuais, substituídos por quadros oriundos do operariado.
Alegando sua origem pequeno-burguesa e seu personalismo. Na realidade, temiam
que seu prestígio popular se sobrepujasse ao partido e faziam forte oposição ao
que então se denominava “prestismo”. Seu ingresso no PCB somente ocorreu por
imposição da Internacional Comunista, na ocasião da ida dos integrantes do
Comitê Central a Moscou, para participar do VII Congresso da Internacional
Comunista (IC), em outubro de 1934. Nessa ocasião foi também decidida a volta
de Prestes ao Brasil e a preparação para instalação no Rio de Janeiro, do Bureau
Sul-América da IC, que seria transferido de Buenos Aires, para o que, a pedido
do Comitê Central, foram destacados cinco quadros da organização com funções de
assessoramento, entre eles Olga Benário e Arthur Ernst Ewent, o “Harry Berger”,
ambos alemães. No primeiro semestre de 1934, assume o cargo de Secretário Geral
do PCB, Antônio Maciel Bonfim, o Miranda, um professor primário do interior da
Bahia, que ascendeu graças à política “obreirista” do partido e seu reconhecido
poder de envolvimento, inclusive dos membros da Internacional. Seus relatórios,
tanto para Moscou como para o Comitê Central (CC), em tom triunfalista alegava
que o Brasil estava pronto para a revolução socialista, com intensa mobilização
no campo (o que era uma fantasia), nos sindicatos (um exagero) e no meio
militar. Prestes, afastado da realidade brasileira devido a dez anos de lutas,
exílio e clandestinidade, dotado de uma personalidade destituída de sentido
pragmático e de oportunidade, fatalmente entregou-se aos mesmos devaneios.
A
partir de julho de 1935, fechado o único canal de atuação política legal, a
ANL, os tenentes aliancistas e comunistas recomeçaram a prática do esporte
preferido de sua geração há treze anos: a conspiração. E a preparação daquilo
que sua formação autocrática entendia como a forma mais justa de tomar o poder
para realizar as reformas que julgavam necessárias para o país: o levante, o
golpe. Em várias guarnições do país, mas principalmente no Rio de Janeiro, em
Recife, Maceió, João Pessoa, Natal, Belém e Manaus, articulavam-se oficiais,
sargentos e cabos para um movimento militar que não se sabia quando ou onde
começaria, mas para o qual todos tinham uma certeza: o comandante seria Luís
Carlos Prestes.
Os antecedentes locais
As agitações políticas e sociais da primeira metade da década de 1930 repercutiram no Rio Grande do Norte de forma amplificada. Com a vitória da Revolução Liberal e a deposição do presidente Washington Luís, findava em nosso Estado um ciclo de dominação política iniciado com a proclamação da República e a instauração da oligarquia dos Albuquerque Maranhão, da qual as expressões principais foram os presidentes (denominação dada na época aos governadores) Pedro Velho (o líder, falecido precocemente), Alberto Maranhão (dois mandatos), Ferreira Chaves e Tavares de Lira. Diretamente ou através de prepostos, esse grupo, favorecido pelas “eleições a bico de pena”, conduziu os destinos do Rio Grande do Norte até o início da década de 1920, quando consolidou a sua força política, um coeso grupo de oligarquias familiares baseado no latifúndio agropastoril e no poder local. Essa confederação de oligarquias tinha sua expressão máxima na Região do Seridó, de onde vinham suas principais lide ranças, entre as quais se destacava no final da década, como seu incontestável comandante, José Augusto Bezerra de Medeiros, várias vezes deputado geral (federal), senador e presidente (governador) no quatriênio 1924-1927, elegendo o seu sucessor. José Augusto era um líder nato. Inteligente, bom orador, ameno no trato, sedutor, conciliador e, sobretudo, excelente articulador, detinha o comando político com suavidade o que facilitava a coesão interna do partido e dificultava as ações da débil oposição. Seu sucessor, o também seridoense Juvenal Lamartine de Faria, tinha temperamento diverso. Culto, estudioso das questões econômicas da região, atualizado, com vocação mais dirigida para a ação administrativa que para a política, eleito para o quatriênio 1928-1931, realizou governo dinâmico, modernizador, estimulador da cultura e dos esportes, mantenedor da ordem pública. Criou o Aero Clube, implantou campos de pouso no interior, abriu estradas, foi pioneiro dos direitos femininos, fazendo aprovar legislação estadual que concedia o direito de voto à mulher, pioneiro no país. O combate ao banditismo e ao cangaço, os excessos ocorridos e sua personalidade autoritária contribuíram para o crescimento da oposição, principalmente nos redutos locais, sendo seu principal líder o jornalista e advogado trabalhista João Café Filho. Deposto pela revolução liberal e exilado na Europa, Lamartine foi substituído por uma junta militar, em 5 de outubro de 1930.
A
partir de 12 de outubro de 1930 até 29 de outubro de 1935, o Rio Grande do
Norte teve cinco interventores nomeados pelo governo provisório, chefiado por
Vargas. Essa rotatividade de curtos períodos contribuiu para a descontinuidade
administrativa e a instabilidade política. De 12 de outubro a 27 de novembro de
1930, Irineu Joffily, advogado paraibano, cuja dupla condição provocou ciumeira
dos tenentes e dos políticos potiguares, resultando em desgaste e breve
destituição. De 28 de novembro de 1930 a 2 de julho de 1931, Aluísio Moura,
tenente do exército e casado com natalense, seria depois chefe de polícia e
comandante da polícia militar (1933-1934). De 3 de julho de 1931 a 10 de julho
de 1932, o capitão da marinha Hercolino Cascardo, catarinense, revolucionário
de primeira hora, tenentista de orientação esquerdista e que seria um ano
depois, fundador e presidente da Aliança Nacional Libertadora. De 11 de julho
de 1932 a 1º de agosto de 1933, Bertino Dutra, capitão da marinha e também
casado com natalense, que governou no período da revolta constitucionalista
paulista de 1932 e destituído de aptidão política. Finalmente, em 2 de agosto
de 1933, assume o primeiro civil e norte-rio-grandense, Mário Leopoldo da
Câmara, que veio com a missão específica de preparar o terreno para dar a
vitória no Estado, nas eleições de novembro de 1934 para Assembléia Estadual
Constituinte, ao Governo Vargas. Filho de um prestigioso político de oposição
da República Velha, o ex-deputado Augusto Leopoldo da Câmara, residindo há
muitos anos no Rio de Janeiro e portanto afastado do radicalismo local, alto
funcionário do Ministério da Fazenda, adquiriu a confiança de Vargas como seu
chefe de gabinete naquele ministério no período de 1926 a 1927 e era seu
oficial de gabinete na presidência quando de sua designação para a
interventoria.
Mário
Câmara trazia orientação de Vargas, de se aproximar de José Augusto e fazer uma
composição com seu grupo político. Sua missão não parecia difícil. A grande
maioria dos políticos da República Velha, gradualmente iniciou sua aproximação
com o governo federal a partir de 1931. O Partido Popular fundado por José
Augusto em janeiro de 1933, reunindo os antigos situacionistas, elegera três
dos quatros deputados norte-rio-grandenses à Assembléia Nacional Constituinte,
que já haviam declarado apoio ao governo, inclusive à eleição indireta de
Vargas para presidente constitucional que ocorreria em 17 de julho de 1934.
Histórica fotografia do ato de fundação do partido, mostra na primeira fila o
jovem estudante Aluízio Alves, o qual aos 11 anos, já demonstrava a mesma
precocidade política que o fez deputado federal aos 21 anos e governador aos 39
anos. O novo interventor foi recebido com boa vontade pelo Partido Popular e
pelo seu jornal A Razão, e os entendimentos prosseguiram estimulados pela
demissão do então chefe de polícia, Café Filho, tradicional adversário do grupo
oposicionista. O impasse estabeleceu-se quando Câmara concordou com a
participação dos populistas no governo com a condição de formação de um novo
partido que congregasse os dois grupos. Temerosos de entregar o comando
político ao interventor, os líderes recusam a auto-extinção do seu Partido
Popular e, apesar da intervenção direta de Vargas, Mário Câmara estimulado
pelos correligionários e picado pela “mosca azul”, funda em julho de 1934 o seu
Partido Social Democrático, coopta um deputado federal do PP, Francisco Martins
Veras, articula os prefeitos (então nomeados pelo interventor) e reconcilia-se
com Café Filho, formalizando uma coligação do PSD com o PSN, denominada Aliança
Social. Estava dada a partida da mais radical das campanhas políticas de nosso
Estado e que, marcada pela paixão e pela violência, envolveu grande parte da
oficialidade do exército destacada no 21BC.
A
primeira manifestação de violência ocorreu precocemente, com o assassinato em
maio de 1934, cinco meses antes da eleição, do chefe oposicionista de Apodi,
Francisco Pinto. Em agosto, durante comício do Partido Popular, em Parelhas,
houve tiroteio entre membros de ambas as facções, resultando em um morto e dois
feridos. Em 13 de fevereiro de 1935, dias antes das eleições suplementares que
foram realizadas em 39 seções eleitorais de 23 municípios, uma escolta da
polícia militar com a missão de prender o agrônomo Otávio Lamartine, filho do
ex-governador, baleou-o e causou sua morte, na fazenda Ingá, em Acari,
provocando grande comoção e indignação no Estado, com repercussão na imprensa e
na Assembléia Nacional.
Durante
toda a campanha eleitoral, que durou oito meses, foi notória a participação da
maioria dos oficiais do 21BC em apoio ao Partido Popular, um fiel retrato da
indisciplina que reinava nos quartéis naquele período. Esse fato determinou uma
disputa junto ao Ministério da Guerra, entre o interventor, com prestígio no
gabinete presidencial e José Augusto, muito ligado às bancadas gaúcha e
mineira. No entrevero, bem ao seu estilo, Vargas “cozinhou” os dois lados até o
final do processo. Merece registro, por retratar muito bem o ambiente de boatos
e intrigas, a solicitação do interventor ao comandante da região militar para a
transferência de dez sargentos que supostamente também estariam apoiando a
oposição “liberal”. Curiosamente, quatro deles estiveram entre os mais
destacados líderes do levante de novembro. As eleições realizaram-se em 14 de
outubro de 1934 e tiveram a participação também do Partido Comunista do Brasil
(com chapa encabeçada por Lauro Reginaldo da Rocha, membro do Comitê Central
Nacional e norte-rio-grandense) e da Ação Integralista Brasileira (encabeçada
pelo advogado Oto de Brito Guerra). Um recurso da Aliança Social é acatado pelo
TSE e eleições suplementares são realizadas em fevereiro de 1935. Somente em 16
de outubro de 1935 de 1935, o Tribunal Superior Eleitoral proclamou o resultado
final: o Partido Popular elegeu três dos cinco deputados federais (José
Augusto, Ferreira de Souza, senador de 1946 a 1954, e Alberto Roselli) e a
Aliança Social, dois (Café Filho e Martins Veras); dos 25 deputados federais,
14 eram do PP (entre eles, José Augusto Varela, governador de 1947 a 1950, Aldo
Fernandes, futuro secretário-geral do estado e Maria do Céu Pereira, primeira
parlamentar eleita no Brasil) e 11 da Aliança Social (entre eles Djalma
Marinho, várias vezes deputado federal no período de 1950 a 1974). Foi também
marcada a data para a instalação da Assembléia e eleição indireta do governador
e dois senadores: 29 de outubro de 1935.
A
partir do mês de abril, com a divulgação do resultado parcial das eleições
dando a vitória à oposição e a perspectiva da volta ao poder dos depostos em
1930 e com o fechamento da Aliança Nacional Libertadora no mês de julho, o
ambiente político adquiriu uma temperatura mais elevada. No interior do Estado
grupos civis armados, provocavam agitação e no Rio de Janeiro, o interventor
usava o seu antigo prestígio na tentativa de virar o jogo: influir nas decisões
do TSE ou cooptar dois dos deputados da oposição.
No
quartel do 21BC a situação não era das mais calmas. Além dos baixos salários e
más condições de trabalho, pairava sobre sargentos, cabos e soldados a ameaça
de cumprimento de decreto presidencial que autorizava o ministério a dispensar
aqueles que contassem com menos de dez anos de serviço e a reformar quem
tivesse mais de vinte anos. Com o fechamento da ANL, os seus filiados, que eram
muitos, ficaram sem um canal de expressão política e passaram a conspirar.
Desde
1926, as primeiras células do Partido Comunista em Natal começaram a atuar, sob
a liderança dos sapateiros José Praxedes e Aristides Galvão e, em Mossoró, com
Raimundo Reginaldo da Rocha. A partir de 1933, com a abertura política devida à
convocação das eleições para a constituinte e a criação da Aliança Nacional
Libertadora, os trabalhos de organização do partido se intensificaram,
culminando com a 1ª Conferência Estadual realizada em abril de 1935, em Natal,
quando foi formalmente eleita sua primeira direção, constituída pelos três já
citados, mais Francisco Moreira e Lauro Lago, então diretor da Casa de
Detenção, a penitenciária estadual. Nesta reunião estiveram presentes João
Batista Galvão, servidor público estadual, em cuja residência de solteiro se
realizava a maioria das reuniões do partido, e José Macedo, funcionário do
Departamento dos Correios. Seguindo orientação do Comitê Central e da
Internacional Comunista, as ações do partido estavam direcionadas para três
focos: o movimento operário (o PCB controlava a direção dos dois maiores
sindicatos do Estado, o dos estivadores de Natal e o dos salineiros, de
Mossoró, além do sindicato dos sapateiros, de Natal), o movimento camponês
(havia movimento armado no campo, no Vale do Açu e em Areia Branca) e na área
militar (eram membros do partido os sargentos Quintino Clementino de Barros e
Eliziel Diniz Henriques e o cabo Giocondo Dias, que na década de 1980, seria
secretário geral do PCB). No 21BC havia duas dezenas de sargentos e cabos
aliancistas e com ligações com o partido e que conspiravam permanentemente.
Entre março e novembro de 1935 estiveram em Natal, conspirando e aliciando
oficiais e subalternos para um golpe armado com o objetivo de depor Vargas e
implantar um regime militar, vários “tenentes” aliancistas: em março, o capitão
Otacílio Lima, lotado no 29BC de Recife e membro do PCB, vem a pretexto de
viagem de inspeção e articula-se com sargentos do 21BC; em julho, o capitão da
marinha Roberto Sisson, ex-vice-presidente da ANL, com a mesma finalidade;
também em julho, o tenente João Cabanas, legendário participante da Coluna
Prestes, visita Natal e a região da guerrilha camponesa no Vale do Açu; em
agosto, o capitão Silo Meireles, também do 29BC e comunista.
Desde
o mês de junho de 1935, encontrava-se em Natal, designado pelo comitê central
do Partido Comunista, João Lopes, destacado membro do secretariado político,
com a missão de assessorar a direção estadual e com a orientação de impedir o
envolvimento do partido em aventura golpista. Recebeu do comitê central o
codinome “Santa” e ficou em Natal até o dia 27 de novembro, tendo importante
papel nos acontecimentos.
Nos
dias que sucederam a proclamação dos resultados eleitorais, a bancada
oposicionista viajou para João Pessoa, onde foi recebida pelo governo
paraibano, alegadamente por motivos de segurança, mas também com a finalidade
de evitar a possibilidade, muito comentada na época, de cooptação de pelo menos
dois deputados, o que inverteria o resultado da eleição indireta para 12 a 13.
Em
27 de novembro, o interventor Mário Câmara transmite o cargo ao coronel
Liberato Barroso, comandante interino do 21BC, e embarca no dia seguinte, de
navio, para o Rio de Janeiro. Em 29, realiza-se a eleição indireta com o
resultado esperado: Rafael Fernandes, ex-deputado federal e estadual, principal
líder da política mossoroense, recebeu 14 votos e o desembargador Elviro
Carrilho, candidato simbólico, 11 votos. Com a posse imediata, após exatos
cinco anos, os grupos oligárquicos retornavam ao poder e como sempre acontecia,
iniciava-se a revanche.
Em
todo o Estado foi iniciado o processo de substituição, não somente de prefeitos
e delegados de polícia, mas em todos os níveis da administração, inclusive do
Ministério Público, acirrando ainda mais os ânimos e fomentando a revolta.
Houve um fato que envolveu um segmento específico do funcionalismo: a extinção
da Guarda Civil e a demissão em massa de seus componentes. Criada por Mário
Câmara, com seus componentes recrutados entre correligionários e segundo a
oposição, em muitos casos, com antecedentes de violência e até de
criminalidade, a Guarda Civil, com desvio de funções, merecia um expurgo. No
entanto a demissão indiscriminada de três centenas de seus participantes, com a
agravante de ter sido previamente anunciada, transformou parte dos demitidos em
conspiradores e insufladores da revolta dos descontentes subalternos do 21BC,
com sua demissão também anunciada. Finalmente, na sexta-feira, 22 de novembro,
o secretário geral do estado determina a demissão, por motivos ideológicos, do
diretor da Casa de Detenção e servidor da polícia civil, Lauro Lago (na
realidade, membro do CC do PCB, mas não envolvido na conspiração). Os atores
achavam-se na coxia, aguardando as três batidas convencionais para adentrar o
palco.
O teatro dos acontecimentos
A cidade de Natal, no ano de 1935, era uma cidade provinciana de aproximadamente 42 mil habitantes, o equivalente a apenas cinco por cento da população do Estado. Com a atividade econômica baseada na agricultura e na pecuária, a população do Rio Grande do Norte era predominantemente rural, a capital sediava as incipientes atividades administrativas, o ensino de primeiro grau e umas poucas indústrias de transformação.
A
área urbana encontrava-se circunscrita a um perímetro limitado a leste pelas
praias do Meio e de Areia Preta, ao norte o Rio Potengi, ao sul a cadeia de
dunas acompanhada pela Avenida Hermes da Fonseca e ao oeste, uma linha
imaginária que partindo do atual Aero Clube, acompanhasse a rua presidente
Sarmento (Avenida 4) até o Potengi. Areia Preta possuía algumas casas de veraneio
e Brasília Teimosa e Santos Reis eram um grande areal (aliás, denominação que
persiste até hoje, em certo trecho).
Nas
Rocas, concentrava-se uma população predominantemente operária e de estivadores
e portuários, o que explica a intensa atividade política no bairro, que
abrigava a maioria dos militantes do Partido Comunista e dos sindicatos.
A
Ribeira sediava as principais repartições públicas estaduais e federais, o
comércio atacadista e o sofisticado, bares e jornais. Na Rua Tavares de Lira, o
centro nevrálgico da cidade (equivalente ao Grande Ponto das décadas de 1950 a
1970), o Banco do Brasil, o Café Cova da Onça (onde havia tradicionais rodas de
políticos, empresários e profissionais liberais), o Hotel Internacional (na
esquina da Rua Chile) e ao final, o cais onde faziam o translado, em lanchas
para os navios, os passageiros do único meio de transporte para o Sul do
Brasil. Na Tavares de Lira também se realizavam os festejos carnavalescos e as
concentrações políticas. Na Duque de Caxias e ruas adjacentes residiam famílias
de classe média e alta, algumas protagonistas dos episódios adiante descritos.
Na
Praça Augusto Severo, o Teatro Carlos Gomes, única casa de espetáculos do
gênero era também o grande auditório onde ocorriam as principais solenidades da
cidade. No outro lado da praça, situava-se o Cinema Politheama.
A
Assembléia Legislativa, instalada em 29 de novembro, após recesso de cinco
anos, funcionava no prédio que hoje sedia a Ordem dos Advogados do Brasil,
seção do Rio Grande do Norte. Defronte, a Praça Tomás de Araújo, onde seria
construída a atual sede do SESC e do outro lado da mesma, o Quartel do 21º
Batalhão de Caçadores, no terreno hoje ocupado pelo Colégio Estadual Winston
Churchill. No quarteirão ao lado, onde hoje se situa a agência do Banco do
Brasil, o mercado público da Cidade Alta, na época o único existente. Ainda na
Avenida Junqueira Aires (atual Câmara Cascudo) no prédio hoje ocupado pela
Capitania das Artes, a Escola de Aprendizes Marinheiros, única unidade naval
sediada em Natal.
Cruzando
as praças Sete de Setembro, André de Albuquerque e João Tibúrcio e descendo em
demanda do Rio Potengi, vamos encontrar na velha Rua da Salgadeira, onde hoje
funciona a Casa do Estudante, o quartel do Batalhão de Polícia Militar, cenário
da principal batalha ocorrida em Natal.
No
ano de 1935, os estabelecimentos que ministravam o ensino formal de primeiro
grau eram em número reduzido, compreendendo o velho Atheneu Norte-riograndense,
no prédio hoje ocupado pela Secretaria Municipal de Finanças, a Escola Normal,
na Rua da Conceição (ao lado da atual Assembléia Legislativa), o Ginásio Santo
Antonio (no atual convento do mesmo nome), o Ginásio Nossa Senhora das Neves,
no Alecrim, o Ginásio Pedro II, na Avenida Rio Branco, por trás do teatro e a
Escola Doméstica, na Ribeira, onde hoje funciona o Centro Clínico Dr. José
Carlos Passos.
Três
jornais tinham circulação diária: A República, órgão oficial do Estado,
dirigido pelo advogado Edgar Barbosa; A Razão, órgão do Partido Popular,
fundado em 1934, durante a campanha eleitoral e que encerrou suas atividades
após a posse do governador Rafael Fernandes; O Jornal, dirigido pelo jornalista
e advogado provisionado João Café Filho, que exercia o papel de principal voz
de oposição desde os últimos anos da República Velha; e A Ordem, folha
católica, à época com orientação fortemente integralista.
As
únicas agremiações sociais eram o Natal Clube, na esquina da Avenida Rio Branco
com a Rua João Pessoa, e o Clube Carneirinho de Ouro, na Avenida Tavares de
Lira, que mesmo com atividades reduzidas, sobrevive até os nossos dias.
Nos
esportes, o remo atraía a atenção da sociedade, disputado entre o Centro
Náutico Potengi e o Sport Clube de Natal, com suas sedes na Rua Chile, às
margens do Potengi, onde as regatas domingueiras mobilizavam a população. O
futebol iniciava a consolidação de sua popularidade, deixando a prática
improvisada nas praças Pedro Velho e Pio X, já realizando seus campeonatos no
então chamado “Campo da ARA”, atual estádio Juvenal Lamartine, onde rivalizavam
ABC, América e Alecrim, fundados em 1915. Nesse ano de 1935, como sempre sob o
comando de Vicente Farache, o ABC Futebol Clube sagrou-se tetracampeão, com um
time histórico formado por Edgar, Nezinho e Dorcelino; Adalberto, Hermes e
Acácio; Oscar, Simão, Xixico, Mário Crise e Edevaldo.
O
único meio de transporte coletivo era o bonde elétrico, implantado na década de
1920 e que sobreviveu até 1954. Seu trajeto, partindo da Ribeira, cursava a
Duque de Caxias, Praça Augusto Severo, Junqueira Aires, Ulisses Caldas e Rio
Branco, terminando na Praça Padre João Maria. Do Grande Ponto, saíam três
linhas em demanda dos novos bairros residenciais: para Petrópolis, seguindo a
João Pessoa, Deodoro, Praça Pedro Velho, Nilo Peçanha e Getúlio Vargas, onde
findava; para o Tirol, pela Jundiaí e Hermes da Fonseca, até o Aero Clube; para
o Alecrim, descendo a Rio Branco, subindo a Amaro Barreto e pela Presidente
Quaresma chegando à Rua São João, em Lagoa Seca. Não havia mais que três
dezenas de automóveis particulares na cidade e alguns poucos “carros de
aluguel”. O sistema de telefonia, embora existente há mais de uma década, era
precário e limitado, com menos de uma centena de aparelhos. Tal deficiência de
comunicações, agravada pela coincidência (ou pelo propósito) da eclosão do
movimento ter ocorrido em um final de semana, teria fundamental importância nos
acontecimentos. Está montado o cenário. Deixemos que os atores saiam da coxia e
adentrem o palco.
23 de novembro de 1935, sábado
9h – O bacharel João Medeiros Filho, Chefe de Polícia, recebe telefonema do
9h – O bacharel João Medeiros Filho, Chefe de Polícia, recebe telefonema do
21ºBC,
informando o desligamento de praças, por incapacidade moral.
O
jornal A República, órgão oficial do governo do Estado, noticiava a realização
à noite, no Teatro Carlos Gomes, hoje Alberto Maranhão, de solenidade de
colação de grau do Colégio Santo Antônio, então funcionando nas dependências do
atual convento e confirmava a presença do governador Rafael Fernandes.
Informava ainda estar ancorado no cais do porto, uma esquadrilha mexicana,
composta de seis navios, em operações de treinamento.
O
secretário geral do governo, Aldo Fernandes, teria recebido em palácio
informações acerca de “reuniões de caráter subversivo” com a participação de
Lauro Lago, que recentemente havia sido demitido da direção da Casa de
Detenção, após a posse do novo governo.
No
quartel do 21BC chegou expediente do comandante da 7ª Região Militar
oficializando o desligamento dos primeiros 30 soldados, cabos e sargentos com o
tempo de convocação extinto e a informação de que na segunda-feira, 25,
chegaria nova relação.
12h – Findo o expediente da manhã e por
ser sábado, os oficiais e praças foram dispensados com a obrigação de
apresentar-se para a revista, somente às 21 horas, ficando no quartel apenas o
pessoal da guarda e o oficial de dia, tenente Abel Cabral Batista.
15h – A direção do Partido Comunista que
se encontrava reunida com o enviado do comitê central nacional João Lopes, o
“Santa”, recebe a visita do cabo Giocondo Dias e do sargento Quintino
Clementino de Barros para transmitir informações de que a tropa estava
revoltada e um levante era iminente. Apesar da discordância inicial dos
dirigentes do partido, que não haviam recebido instruções do comitê do Recife,
ao final da reunião, por volta das dezesseis horas, a direção curvou-se ao fato
consumado, solicitando um prazo, para arregimentar seus quadros (basicamente
estivadores e portuários) e fez uma única exigência: todos os civis deveriam
usar fardas do exército e estar armados. Quintino e Giocondo voltaram ao
quartel e a direção do partido iniciou a mobilização de seus filiados e
simpatizantes, ficando estabelecido que a deflagração do levante seria naquela
noite.
18h – Na Vila Cincinato, residência
oficial do governador, situada à Praça Pedro Velho, de frente para o atual
Palácio dos Esportes Djalma Maranhão, no prédio hoje ocupado por repartição da
Secretaria da Educação, o governador Rafael Fernandes, após o jantar,
acompanhado do secretário geral Aldo Fernandes e do ajudante de ordens capitão
José Bezerra de Andrade, dirigese ao Teatro Carlos Gomes para presidir a
solenidade de colação de grau e a seguir, assistir à encenação pelos alunos da
peça “A Vitória da Cruz”. Um dos formando com idade de 14 anos era Geraldo
Ramos dos Santos, tradicional empresário do ramo automotivo, que hoje aos 84
anos, guarda uma viva memória do episódio e dos fatos ocorridos nos dias que se
seguiram. No recinto encontravam-se além das mais altas autoridades como o
prefeito de Natal, Gentil Ferreira de Souza, e diretores de departamentos da
administração estadual, todo o grand monde natalense.
18h30m – Joaquim Inácio Torres, “seu
Torres”, farmacêutico e professor do Ateneu, figura folclórica da cidade,
residindo na Avenida Rio Branco, próximo ao quartel, após o jantar senta em
cadeira na calçada, para fumar seu charuto. Cascudo, no livro O Tempo e Eu, conta
o episódio: passou um cabo do exército e vendo aquela tranqüilidade,
segredou-lhe:
“Seu
Torres é melhor o senhor entrar. Vai começar uma revolução no quartel e deve
haver tiroteio. – Revolução, é? Está certo, obrigado. Não perguntou que
revolução era, nem para que e meteu-se na sala. Meia hora depois, como nada
ocorresse, levou a cadeira para fora e continuou fumando. Passou um soldado
correndo e Torres gritou: Como é? Essa revolução vem ou não vem? Comecem logo,
que coisa mais demorada! - Vai rebentar logo, seu Torres, mas não se arrisque,
entre... e saiu convencido que o velho professor do Ateneu estava inteiramente
sabedor da conspiração”.
19h30m – Dando seqüência aos preparativos
que vinham sendo feitos desde o final da tarde, o cabo Giocondo Dias e o
soldado Raimundo Tarol deram voz de prisão ao sargento, chefe da guarda, e ao
oficial de dia. Ao mesmo tempo, comandados pelos sargentos Quintino Clementino
de Barros e Eliziel Diniz Henrique, os praças comprometidos com o levante
ocupam as posições estratégicas do quartel, soltam os soldados presos no xadrez
e aliciam os indecisos. Ao toque de recolher que ecoou no centro da cidade,
acorreram oficiais e praças que residiam ou se encontravam nas imediações. Os
praças receberam comunicação que o quartel estava de prontidão; os oficiais,
instados a aderir, negaram-se e recusaram assumir o comando oferecido. Em vista
disso, assumiu o comando militar formal do movimento, o sargento Quintino
Clementino de Barros que, além de senso de organização, demonstrou equilíbrio
nos dias que se sucederam, evitando ou condenando violências e arbitrariedades.
Fez recolher presos no cassino os poucos oficiais que atenderam ao toque, em
número de sete, sendo um capitão e seis tenentes. Vale ressaltar que havia
dezoito oficiais no contingente do batalhão, tendo a maioria se refugiado em
residências de amigos e parentes ou no interior do Estado.
Assumido
o controle da unidade, os insurrectos efetuaram sucessivos disparos para o
alto, sinal combinado como aviso para os civis que se achavam comprometidos,
aos quais foram distribuídos fardamento militar, armas e munições.
Curiosamente, os tiros disparados serviram também de alerta às autoridades e à
principal força militar legalista, a Polícia Militar, de vez que seu QG, no
prédio hoje ocupado pala Casa do Estudante, estava a pouco mais de um
quilômetro do 21BC. Por outro lado, apenas três quarteirões separavam o local
da rebelião do teatro, onde se encontravam as principais autoridades.
Encontrando-se
no Grande Ponto, o chefe de polícia (equivalente hoje às funções de secretário
da Segurança Pública), ouvindo os tiros e identificando a origem, mas sem a
menor idéia de seu real significado, dirigiu-se ao quartel da PM onde sugeriu
ao oficial de dia, capitão Joaquim Teixeira de Moura, que entrasse de prontidão
e convocasse seu contingente, fazendo o mesmo na Inspetoria de Polícia Civil,
localizada na atual sede do ITEP, na Avenida Duque de Caxias; depois, foi ao
teatro onde conferenciou com o governador e voltou ao centro da cidade para
averiguações.
No
teatro, os primeiros tiros foram ouvidos em meio à solenidade, provocando
natural alvoroço e a retirada de oficiais da marinha mexicana e dos comandantes
militares Otaviano Pinto Soares, do 21BC, e major Luiz Júlio, da PM, além de
parte da platéia. Reiniciada a cerimônia, com a intensificação do tiroteio,
aumentou o pânico e efetuou-se a dispersão dos assistentes, inclusive das
autoridades. O governador, acompanhado do secretário geral e do ajudante de
ordens, dirigiu-se à Inspetoria de Polícia e como os tiros já estivessem sendo
disparados na Praça Augusto Severo, optaram por solicitar abrigo na residência
do comerciante Xavier de Miranda, na Avenida Duque de Caxias, onde passaram a
noite e aguardaram contatos com informações mais precisas. No mesmo momento, o
prefeito Gentil Ferreira, o presidente da Assembléia Legislativa, monsenhor
João da Mata Paiva, o chefe de gabinete do governador, bacharel Paulo Pinheiro
de Viveiros e o diretor do jornal oficial A República, bacharel e jornalista Edgar
Barbosa, refugiaram-se na residência do comerciante Amador Lamas, irmão do
cônsul honorário do Chile, comerciante Carlos Lamas, também na Ribeira.
Enquanto
isso, acorrem ao 21BC algumas dezenas de operários, principalmente estivadores
e sapateiros e antigos guardas civis que ao chegar recebem fardamento do
exército, armas e munição. Com o controle total do quartel e seu contingente
acrescido de grande número de civis, os rebeldes trataram de dominar a capital,
sendo formadas diversas patrulhas com a finalidade de ocupar os pontos
estratégicos: o palácio do governo, a residência do governador, o Banco do
Brasil, a sede da polícia civil, a Companhia Força e Luz (eletricidade), o
telégrafo, a companhia telefônica, o cais do porto e a estação ferroviária. A
seguir, foram formados dois destacamentos, sendo o primeiro para assumir o
controle da Casa de Detenção (onde hoje fica o Centro de Turismo), o que foi
feito sem nenhuma resistência, tendo a guarda se retirado pelos fundos, através
das dunas situadas na área da atual Rua do Motor; o segundo dirigiu-se ao
Esquadrão de Cavalaria, onde após breve tiroteio durante a noite seus
defensores comandados pelo tenente Severino Raul Gadelha e em desvantagem,
retiraram-se através das dunas (o esquadrão estava localizado no terreno onde
foi edificada a Escola Doméstica). Na breve luta na Casa de Detenção ocorreu a
primeira morte da insurreição: um preso de justiça José Pedro Celestino, que
antes de ser libertado, foi baleado pela guarda do presídio.
20h – João Medeiros Filho, após tomar as
primeiras providências na Ribeira, dirigi-se ao Grande Ponto no automóvel
particular do comerciante Daniel Serquiz e em companhia do fotógrafo José
Seabra, com a finalidade de colher maiores informações acerca do movimento.
Mesmo sabendo que o mesmo tinha origem no 21BC, de ter encontrado uma patrulha
do exército guardando a sede do Banco do Brasil e seu automóvel oficial ter
sido alvejado por tiros na Duque de Caxias, ao encontrar o sargento Amaro
Pereira que comandava uma patrulha na Rua João Pessoa, inadvertidamente aceita
o convite para dirigir-se ao 21BC, onde um oficial lhe daria informações mais
precisas. Ao transpor o portão do quartel é imediatamente preso e recolhido ao
xadrez onde permaneceu até a madrugada do dia 27, privando a cidade e o estado
de sua principal autoridade policial, elemento importante para a coordenação de
sua defesa. Nessa mesma hora, o cabo Giocondo Dias, ao descer a Avenida Rio
Branco no comando de uma patrulha, trava tiroteio com policiais militares, é baleado
superficialmente na cabeça sendo internado no Hospital Miguel Couto (atual
Onofre Lopes), onde permanece também até o final. Um anticlímax para dois
atores que estavam fadados a ser os personagens principais.
20h
30m – O major
Luiz Júlio, comandante da Polícia Militar, que havia recebido telefonema do
oficial de dia, capitão Joaquim Teixeira de Moura, informando que o quartel
estava sendo atacado e tendo se dirigido à residência do governador, lá se
encontrou com o tenente-coronel José Otaviano Pinto Soares, que há duas semanas
era o novo comandante do 21BC. A pé, ambos dirigiram-se ao quartel da PM, nesse
momento sendo atacado por pequena força, conseguindo o intento de penetrar e
comandar a organização da defesa. Nesse ínterim, atraídos pelos tiros, comunicados
por telefone ou convocados pelo toque de reunir, dezenas de sargentos e praças
conseguiram chegar antes que o cerco fechasse.
21h – Estabelecido o controle da cidade,
foi possível aos rebelados direcionar para o ataque ao quartel da Polícia Militar
o grosso de suas tropas, tanto militares, como civis que haviam aderido. A
partir desse momento, e até o início da tarde do domingo, dia 24, o quartel
resistiu ao cerco, com sessenta e oito defensores, sendo cinco oficiais, vinte
e quatro sargentos, trinta e quatro soldados e cinco civis. Além do comandante
e do oficial de dia já citados, os únicos oficiais que acorreram ao quartel
foram os tenentes Francisco Bilac de Faria, José Paulino de Medeiros (o Zuza
Paulino) e Pedro Sílvio de Morais. Dentre os sargentos, inúmeros chegaram ao
posto de coronel e se destacaram na história da corporação, como Celso Carlos
Pinheiro, Sebastião Revorêdo, Bento Manuel de Medeiros e Júlio César Pinheiro.
Entre os civis, os servidores públicos estaduais João Batista de Andrade,
Lucrécio Pegado Cortez e Damasceno Bezerra. Para a luta, o batalhão contava
apenas com quatro metralhadoras, trezentos fuzis, cinqüenta e dois revólveres e
cerca de trinta mil balas. A força atacante era superior em número, com o
triplo de combatentes, com armas modernas e com cerca de cento e trinta mil
cartuchos, com os quais manteve o cerco ao quartel e combateu entrincheirada em
situação favorável, mais elevada, na esplanada que corresponde à atual Praça
João Tibúrcio, durante toda noite do sábado, 24. Nessa noite, quem pode, saiu
da cidade; quem ficou não dormiu com o barulho.
24 de novembro de 1935, domingo
8h – Com a cidade sob controle, restando apenas o quartel da PM resistindo, o comitê regional do PCB reúne-se com o comando militar e o assessor “Santa”, para definir as medidas administrativas e a estratégia militar, na residência de um ferroviário membro do partido, nas Rocas. Com a recusa de diversos oficiais convidados para assumir o comando militar do movimento, essa posição foi entregue ao sargento músico Quintino Clementino de Barros, norte-rio-grandense de Serra Negra, membro do PCB e líder natural entre seus pares. Em seguida, foi escolhido o Governo Popular Revolucionário, constituído por Lauro Lago, servidor da polícia civil, secretário do Interior; José Macêdo, tesoureiro dos Correios, secretário de Finanças; João Batista Galvão, servidor do Ateneu Norterio-grandense, secretário da Viação; José Praxedes de Andrade, sapateiro, secretário de Abastecimento; e Quintino Clementino de Barros, secretário da Defesa. Foi oferecido a “Santa” o cargo de presidente, que foi recusado, permanecendo o assessor dando sempre a última palavra em todas as decisões. Todos os cinco componentes eram filiados ao Partido, sendo que dois, eram membros do comitê regional.
9h – A junta de governo toma as
primeiras medidas práticas. O presidente do sindicato dos estivadores João
Francisco Gregório recebe a incumbência de assumir o comando militar do cais do
porto, impedindo a entrada ou saída de qualquer navio, inclusive as seis
corvetas mexicanas, dois cargueiros britânicos e um brasileiro, o embarque ou
desembarque de passageiros e tripulantes, e a desativação de seus
rádios/telégrafos e do farol marítimo.
Durante
a noite, haviam recebido asilo na esquadrilha mexicana, algumas pessoas entre
as quais o médico Aberdal de Figueirêdo, o deputado Pedro Matos, o
desembargador Silvino Bezerra e o capitão Leonel Bastos, comandante da Escola
de Aprendizes Marinheiros. O capitão havia abandonado a escola, atravessando o Rio
Potengi em escaleres, com dezenas de alunos e retornando até o navio mexicano.
O motorista Epifânio Guilhermino, membro do Partido Comunista, recebe a tarefa
de requisitar automóveis particulares e caminhões e organiza um grupo de
motoristas, entre os quais Domício Fernandes, que também teve destacada atuação
no movimento. Vários proprietários foram procurados e tiveram seus veículos
requisitados, entre eles os comerciantes Severino Alves Bila e José dos Santos,
que eram concessionários. Na mesma hora, em Currais Novos, o delegado geral
Enock Garcia, que havia deixado a capital durante a madrugada, telegrafa a
Dinarte Mariz, em Caicó, relatando os acontecimentos e solicitando
arregimentação de homens e armas. Dando seqüência, Dinarte telegrafa ao governador
Argemiro Figueiredo, da Paraíba e acerta o envio do pedido com a máxima
urgência.
10h – José Praxedes, provavelmente por
sua condição de filiado mais antigo do PCB, era tido entre os membros da Junta
de Governo, como seu coordenador, reúne populares e partidários na praça do
mercado, em frente ao quartel do 21BC, para ler a proclamação do Governo
Popular Revolucionário, o que fez “subindo na mureta do quartel em meio a vivas
à Revolução e a Prestes”.
11h – A Junta assume formalmente o
governo do Estado em reunião na Vila Cincinato, residência oficial do
governador, editando então seu primeiro decreto, que destituía o governador
Rafael Fernandes e dissolvia a Assembléia Estadual Constituinte. Distribuiu comunicado
“aos camaradas em armas e ao povo em geral”, apelando à manutenção da ordem,
respeito às pessoas e à propriedade privada e dando garantia aos comerciantes
para abertura dos estabelecimentos comerciais na segunda-feira. Em seu périplo
na coleta de viaturas, ao passar pela Rua General Glicério, na Ribeira (por
trás da Igreja do Bom Jesus) ao avistar na porta da sua residência o agente da
Companhia de Navegação Costeira, Otacílio Werneck, sem motivo aparente o
alvejou mortalmente. Por esse crime hediondo, que seria a segunda das quatro
únicas mortes violentas ocorridas em Natal em quatro dias de lutas, receberia
mais tarde a maior pena aplicada aos participantes da insurreição: trinta e
três anos de prisão. Continuando sua trajetória de violências, que incluiu o
incêndio de um cartório e saque em um box do mercado público, ao tentar
arrombar o armazém da viúva Machado, desentendeu-se com um soldado do exército
que o atingiu com um tiro, levando à sua internação hospitalar e ao final de
sua carreira de “revolucionário”, poupando a cidade de sua sanha.
14h – Após dezessete horas de combate,
não havendo mais munição, o comandante Luiz Júlio reúne seu estado-maior e
decide pela retirada, evitando assim a rendição. A saída dos combatentes se dá
pelos fundos do quartel, situado em um barranco voltado para o mangue na margem
do Potengi, onde hoje passa a Avenida do Contorno. O objetivo era tentar
alcançar a Ribeira ou o Alecrim pela margem do rio ou atravessá-lo a nado. Dos
oficiais, o único a conseguir esta façanha foi o tenente Bilac de Faria, exímio
nadador. Bilac, que tinha relação de parentesco com o ex-governador Juvenal
Lamartine e na década de 1950 seria deputado estadual, destacou-se como um dos
mais aguerridos combatentes durante o cerco. Todos os demais oficiais foram
presos, juntamente com grande número de praças. O tenente José Paulino de
Medeiros, o Zuza Paulino, que também se destacara pela bravura no combate, no
momento da fuga foi atingido por uma rajada de metralhadora no braço, foi preso
e transportado para o Hospital Miguel Couto, onde depois teve o antebraço
esquerdo amputado. Zuza Paulino era um dos mais exaltados partidários de Mário
Câmara na polícia militar e estava sofrendo pressões do novo governo por suas
posições políticas. Sua atitude legalista reforça o entendimento de que apesar
do elevado número de “maristas” que aderiram ao levante (inclusive na PM), essa
não foi uma posição oficial da Aliança Social, nem do ex-interventor ou de Café
Filho. O major Luiz Júlio e o comandante do 21BC, tenente coronel Otaviano
Pinto Soares seguiram pelo mangue, na tentativa de abrigar-se na Escola de
Aprendizes Marinheiros, que não sabiam já estar ocupada pelos revoltosos desde
a noite anterior. No trajeto, foram presos por uma patrulha e recolhidos ao xadrez
do 21BC. No decorrer da luta apenas cinco combatentes sofreram ferimentos,
todos de natureza leve, sendo um deles o futuro coronel Celso Pinheiro. Apenas
uma morte (a terceira das quatro ocorridas em Natal durante todo o levante, de
acordo com a documentação existente) foi registrada no longo combate pela posse
do quartel da PM: do cidadão Luiz Gonzaga. Esse fato ocasionou uma polêmica que
setenta anos depois não ficou completamente esclarecida. Luiz Gonzaga realmente
participou dos combates dentro do quartel desde a primeira hora, tendo
demonstrado muita coragem e afoiteza, sendo essa a causa de sua morte, pois no
momento da retirada retardou a fuga, sendo alvejado pelo motorista Sizenando
Filgueira, membro do PCB e dos mais ativos participantes do levante. A polêmica
situa-se no fato de que, até o mês de janeiro de 1936, nem o detalhado relato
do órgão oficial A República, nem os diversos relatórios oficiais, tampouco nos
autos dos processos e nos julgamentos dos indiciados, há citação da morte e da condição
de soldado da polícia militar de Luiz Gonzaga. A ausência de divulgação da
morte, que realmente ocorreu, levou alguns historiadores a aventurar a hipótese
de que, o fato de não ter sido registrada, significaria que era um popular
desconhecido, cujo alistamento realizou-se post mortem. Caso tenha sido na
época a tentativa de criar um herói, resultou desnecessária, pois heróica foi a
luta coletiva dos sessenta e oito defensores. Sete décadas depois, a polêmica
persiste.
15h – Dominado o quartel da PM e
controlada totalmente a capital, com todos os efetivos armados disponíveis e
contando com um número razoável de viaturas, a junta de governo deu seqüência
ao seu segundo objetivo militar: a ocupação e instauração de governos locais
provisórios nas principais cidades do interior do estado. Foram organizados
três destacamentos, constituídos de militares e civis armados, que seguiram o
roteiro das estradas que levam ao Litoral Sul e Agreste, ao Litoral Norte e
Mato Grande e ao Trairí e Seridó.
18h – Após entendimentos intermediados
por Aurino Suassuna, genro do cônsul honorário do Chile, Guilherme Lettiére, o
governador Rafael Fernandes, o secretário geral Aldo Fernandes e o ajudante de
ordens, capitão José Bezerra de Andrade, transferem-se para a residência do
cônsul, situada em rua próxima. A família do governador, que até então residia
no Rio de Janeiro, havia partido no dia 21, de navio, tendo desembarcado em
Salvador no dia 24, a convite do governador Juraci Magalhães, que a hospedou
até o final do levante.
25 de novembro de 1935, segunda-feira
Na madrugada do dia 25, segunda-feira, partem para o interior as primeiras tropas de ocupação. O destacamento sul, comandado pelo tenente da PM, Oscar Mateus Rangel (o comandante da patrulha envolvida na morte de Otávio Lamartine) que havia sido libertado na véspera, da prisão no quartel da PM, ocupou os municípios de São José de Mipibu, Arez, Goianinha, Canguaretama e Pedro Velho, substituindo os respectivos prefeitos e delegados. O destacamento norte, comandado pelo estudante Benilde Dantas, membro do PCB, repete os mesmos procedimentos nas cidades de Ceará-Mirim e Baixa Verde. O destacamento centro, que se destinava ao eixo Trairi-Seridó seguiu para Panelas (atual Bom Jesus), sob o comando do sargento do exército Oscar Wanderley, assumiu o controle da cidade e em seguida de Serra Caiada. Nesse momento, enfrenta uma coluna formada por civis do Seridó, que foi organizada sob a liderança de Dinarte Mariz e tinha a participação de alguns policiais militares, entre eles o capitão Severino Elias. Os legalistas, inferiorizados, batem em retirada até a Serra do Doutor, onde aguardariam os rebeldes para aquela que seria a última batalha, no dia 26. De Serra Caiada o destacamento dirigiu-se no dia seguinte a Santa Cruz, onde recebeu o apoio de parte da população, principalmente de partidários locais da Aliança Social, determinou a substituição do prefeito e do delegado e providenciou o reabastecimento necessário para prosseguir até o Seridó. Nesse momento, os rebeldes controlavam dezessete dos quarenta e um municípios, correspondendo à terça parte da área geográfica do Estado.
8h – Apesar do apelo da Junta na
véspera, compreensivelmente o comércio não abriu suas portas na segunda-feira.
Foram expedidas requisições assinadas por Praxedes, para o fornecimento de
víveres, que seriam distribuídos à população. Seja porque não foram encontrados
os proprietários, seja por decisão arbitrária, foram arrombados e saqueados
diversos estabelecimentos comerciais, entre eles o armazém da viúva Machado, o
maior e mais tradicional empório de alimentos da cidade. Aproveitadores de
ocasião associaram-se a revoltosos inescrupulosos e arrombaram e saquearam
outros estabelecimentos que comercializavam produtos diversos, como tecidos
(Loja Paulista), utilidades (Armazém Elias Lamas), cigarros (Souza Cruz) e
jóias (Joalheria Progresso). Apesar da falta de planejamento e de estrutura, a
Junta conseguiu distribuir à população, na Vila Cincinato, grande quantidade de
alimentos e de tecidos. Essa medida, até certo ponto ingênua (ou demagógica)
repete outras que foram tomadas, como a promulgação de decreto que instituiu a
reforma agrária e confiscou as terras de latifúndio (sem no entanto,
regulamentar) e a redução de quarenta por cento no preços das passagens de
bondes.
Necessitando
recursos para o custeio do levante, a Junta recorreu às reservas do Banco do
Brasil, do Banco do Rio Grande do Norte e da Recebedoria de Rendas, que na
segunda-feira continuaram fechadas e com seus administradores foragidos. As sedes
foram arrombadas, assim como seus cofres, esses com a utilização de maçaricos.
Do Banco do Brasil foi retirada à quantia de dois mil e novecentos contos de
réis, e da Recebedoria, cerca de duzentos contos de réis que somados as
quantias menores requisitadas de algumas coletorias no interior, totalizam
aproximadamente três mil e duzentos contos de réis. Para uma referência a este
valor, uma passagem de bonde custava cinqüenta réis.
Ainda
na manhã da segunda-feira, uma patrulha foi enviada à praia da Redinha,
principal local de veraneio, onde muitas famílias haviam se refugiado na
véspera. O objetivo principal era a eventual prisão de autoridades (ou
simplesmente adversários) e a busca de armas. Ao chegar à residência de Arnaldo
Lira, tendo o mesmo ironizado a busca e manifestado sua condição de
integralista, foi preso e recolhido à Vila Cincinato. Ao chegar, reage à
tentativa de um soldado de tomar-lhe o relógio e na briga é atingido com um
golpe de sabre no abdome. Removido, gravemente ferido, para o Hospital Miguel
Couto, veio a falecer após o final do levante. Seria a quarta e última vitima
de morte violenta comprovadamente ocorrida durante o levante, em Natal.
26 de novembro de 1935, terça-feira
O
dia começou tranqüilo em Natal: os revoltosos dominavam a cidade e os combates
estavam ocorrendo no interior, com suas forças controlando um perímetro cujos
pontos mais remotos distavam mais de cem quilômetros: Canguaretama, Baixa Verde
e Santa Cruz.
A
Junta iniciou então a batalha da comunicação. Determinou a impressão de
milhares de folhetos que continham uma proclamação e informavam as principais
medidas tomadas e de maneira ufanista, a marcha da insurreição pelo país. Um
avião da companhia aérea Condor foi requisitado e sobrevoou a cidade, lançando
os panfletos. Nesse dia também, foi composta e impressa nas oficinas gráficas
de A República, órgão oficial do Estado, a única edição do jornal oficial da
revolução, A Liberdade. Dessa missão foi encarregado Raimundo Reginaldo da
Rocha, mossoroense, do comitê regional do PCB, que teve a colaboração de
Horácio Valadares, jornalista e membro do secretariado nacional que se
encontrava no Estado em missão partidária, acompanhando as lutas camponesas da
Região Oeste. Tão logo eclodiu o levante, ambos deslocaram-se para Natal e
tiveram participação discreta, mas importante. Acompanhados de Francisco
Meneleu, gráfico do jornal cafeísta, assumem o controle das oficinas, convocam
seus gráficos e determinam aos redatores do jornal, o poeta Othoniel Menezes e
o provisionado Gastão Correia, a editoração das matérias, a maior parte
previamente redigidas por Valadares. Com apenas quatro páginas e datado de 27
de novembro, os mil exemplares do jornal tiveram sua impressão concluída na
noite do dia 26. No momento em que deveriam ser distribuídos, na manhã da
quarta, foram todos apreendidos. No final da manhã da terça-feira, 26, chega ao
comando rebelde a primeira má notícia: o fracasso do levante do 29BC, do
Recife, iniciado no domingo e subjugado na noite da segunda-feira, com a prisão
de seus principais líderes, o capitão Otacílio Lima e o tenente Silo Meireles,
prestistas e comunistas. Na tarde do dia 26, rearticulados em Santa Cruz e após
receber reforços de Natal, os revoltosos tomam a direção do Seridó, tentando
alcançar Currais Novos. A essa altura, a força legalista, coordenada por
comerciantes e fazendeiros liderados por Dinarte Mariz e acrescidos de
integralistas de Acari e policiais paraibanos, reagrupa-se na Serra do Doutor,
entre Santa Cruz e Currais Novos. Enquanto isso, chegam ao conhecimento do
comando militar notícias de que após a rendição do 29BC, tropas do 20BC de
Maceió e do 22BC de João Pessoa se dirigiam rapidamente para Natal (há boatos,
não confirmados, de bombardeio aéreo). Aguçam-se as divergências entre os chefes
civis e militares: os voluntaristas defendendo a resistência, os realistas a
favor da retirada. Os militares, com uma avaliação mais precisa, estão
convencidos da derrota. Giocondo Dias sai do hospital e começa a articular uma
saída. Em nome de um grupo de cabos e sargentos e com a aquiescência de
Quintino, tenta negociar com a Junta a transferência dos presos civis e
militares para a esquadrilha mexicana. Essa atitude teria dupla finalidade;
retardar a articulação de uma possível perseguição nas primeiras horas da
retirada e preservar a integridade dos prisioneiros de forma a garantir a
atenuação de penas em um futuro julgamento. À revelia da Junta e sem seu
conhecimento, o sargento Amaro Pereira vai à corveta Capitânia em nome dos
militares e recebe de seu comandante a garantia do asilo.
No
meio da tarde as tropas rebeldes iniciam a marcha para Currais Novos, sem
conhecimento da real magnitude da reação que irão enfrentar. Em uma das curvas
da estrada, na subida da serra, defrontam-se com uma barreira de pedras
fechando-lhes a passagem. Inferiorizadas pela surpresa e pela posição do
inimigo, bem entrincheirado, resistem algumas horas. Ao escurecer, batem em
retirada desordenadamente, deixando em campo três mortos e muitos feridos. Às
dezenove horas estava encerrado o último combate.
Tarde
da noite, em Natal, Quintino recebe um telegrama do comando da Sétima Região
Militar no Recife, comunicando o controle da situação em todo o Nordeste e
conclamando os rebeldes à rendição. Ao mesmo tempo, começam a chegar as
primeiras notícias da derrota na serra. À meia-noite, Giocondo, o sargento
Amaro e o cabo Adalberto Cunha, com forte escolta e em três caminhões, realizam
a transferência dos presos para os navios. À uma hora da quarta-feira,dia 27,
“Santa” vai ao 21BC para fazer uma avaliação e constata, surpreso, que o
quartel encontra-se deserto. Quintino, rendido às circunstâncias, determinara a
retirada e a dispersão dos remanescentes, liberando-os para a decisão pessoal:
fugir ou se entregar às autoridades militares. Na Vila Cincinato, constatada a
derrota, os membros civis da Junta e as lideranças do partido iniciam as
providências para a fuga. Destroem os documentos mais importantes e distribuem
o dinheiro entre todos os participantes que lá se encontravam. Despedem-se e
cada um toma seu destino. Os primeiros a sair, às duas horas, foram Lauro Lago,
José Macedo e João Batista Galvão que juntos, em um automóvel dirigido por
motorista, rumaram para Canguaretama. Às quatro horas, em outro automóvel,
“Santa”, sua companheira e um auxiliar, saem em direção à Paraíba por estradas
secundárias. Na mesma hora, Praxedes, a pé, a partir da Ponte de Igapó,
dirige-se a Pajuçara, entre a Redinha e Genipabu. Às cinco horas, Quintino e o
sargento Eliziel Diniz Henriques, que era de fato o segundo homem no comando
militar, seguiram também de automóvel para Baixa Verde.
Antes
do nascer do sol, Natal estava abandonada pelos revolucionários. Foram
necessárias algumas horas para que se restabelecesse a autoridade legal.
Chegava ao final a tentativa de implantar um governo popular ou a aventura de
sobrepor-se às massas através do golpe militar.
Epílogo e revanche
Na manhã do dia 27, quarta-feira, aos poucos a cidade se deu conta de que sua vida havia voltado à normalidade. Através de funcionários de escalões inferiores que continuavam em circulação, de cidadãos de fora do governo, mas a ele ligados, dos anfitriões do governador e do prefeito e dos militares mexicanos, o mundo oficial teve a certeza do abandono da capital pelas forças revoltosas. As forças policiais militar e civil ocuparam os pontos estratégicos, restabeleceram as comunicações telefônicas e telegráficas iniciaram a prisão dos que se renderam e a busca dos foragidos. Ao meio-dia, após a chegada das tropas da Polícia Militar da Paraíba e do 22BC, de João Pessoa, o governador Rafael Fernandes reassumiu formalmente o governo.
Enquanto
o comando revoltoso em Natal desativava seu dispositivo, na mesma hora, no Rio
de Janeiro, tinha início o levante do 3º Regimento de Infantaria na Praia
Vermelha, na Urca, sob comando do capitão Agil do Barata Ribeiro, tenentista e
membro do Partido Comunista. Iniciado na madrugada do dia 27, foi prontamente
reprimido, tendo o quartel se rendido após oferecer resistência e ser
bombardeado, às catorze horas. Os líderes da revolta de Natal somente vieram
tomar conhecimento desse levante, na prisão.
Iniciou-se
então uma fase de intensa repressão, à qual não faltaram os ingredientes da
falsa denúncia de adversários inocentes e a tortura de presos. Aproveitando-se
da ocasião, partidários do governo e autoridades policiais incriminaram,
prenderam e indiciaram centenas de adversários, apenas pela condição de
correligionários ou amigos de Café Filho e de Mário Câmara. Os presos civis de
maior participação no levante como Lauro Lago, João Batista Galvão, José
Macêdo, Epifânio Guilhermino e Sizenando Figueira foram barbaramente
espancados. O próprio chefe da polícia reconhece em seu livro: “Houve, sim,
interrogatórios ásperos, inflexíveis, como era natural; de pressões físicas,
tive notícias, é verdade”.
Para
que se tenha uma idéia do “denuncismo” da época, nos processos do Rio Grande do
Norte foram indiciados 1.039 cidadãos (695 de Natal e 344 do interior), dos
quais apenas 154 (15%) foram condenados. Dos indiciados, três eram deputados da
oposição, todos inocentados. Vinte e três oficiais da PM foram indiciados, a
grande maioria apenas por ter servido ao governo Mário Câmara. Apenas cinco
foram condenados (entre eles, Mário Cabral de Lima, Moisés da Costa Pereira e
Oscar Mateus Rangel, que tiveram atuação destacada). O tenente Augusto Leopoldo
da Câmara Sobrinho foi indiciado (e absolvido) apenas por ser primo-irmão do
ex-interventor. São exemplos de indiciados que não tiveram participação alguma
os juizes João Maria Furtado e Fábio Máximo Pacheco Dantas (futuros
desembargadores), o médico Ezequiel Fonseca, futuro deputado estadual e o
usineiro Luís Lopes Varela, todos correligionários de Café Filho, todos
absolvidos.
Com
as prisões, a polícia iniciou as diligências para a apreensão do dinheiro
retirado do Banco do Brasil, da Recebedoria de Rendas e de Coletorias do
interior do estado. De um total de três mil e trezentos contos de réis, foram
apreendidos com presos, com familiares dos revoltosos e em repartições
públicas, novecentos e vinte dois contos de réis, o que corresponde a cerca de
trinta por cento do que foi confiscado. A controvérsia que cerca o destino da
diferença de pelo menos dois mil contos de réis (uma fortuna na época)
permanece setenta anos depois. Sabe-se que parte razoável dessa quantia não foi
apreendida, pois ficou com pessoas que nunca foram presas (ou porque se
evadiram ou nunca foram considerados suspeitos). Outra parte ficou com
familiares que escaparam da busca. A maior quantia provavelmente foi apropriada
por agentes do poder público encarregados das diligências. Na época, pessoas
que tiveram uma repentina elevação do padrão de vida ou do patrimônio pessoal
foram rotuladas como “achadores de dinheiro”.
O
Tribunal de Segurança Nacional, órgão de exceção criado pelo Estado Novo,
somente começou a funcionar no final de 1937, sendo que a maioria dos
principais envolvidos, que ainda se encontravam presos, foram julgados em 1938.
Vejamos o destino das principais personagens da insurreição. Lauro Lago, José
Macedo e João Batista Galvão passam a quartafeira abrigados na residência de um
correligionário em Canguaretama, à noite penetram na Mata da Estrela, na
expectativa de embarcar, com a ajuda de estivadores, nas barcaças que faziam o
transporte de sal de Barra de Cunhaú. No dia seguinte, foram presos pelo
delegado local, com a ajuda da polícia paraibana, provavelmente denunciados por
correligionários. Lago e Macedo após alguns meses na Casa de Detenção foram
transferidos com dezenas de presos do Nordeste para o presídio político da Ilha
Grande, no Rio de Janeiro, onde foram companheiros de Graciliano Ramos e
personagens do livro Memórias do Cárcere. Galvão, estando doente e usando o
prestígio familiar, conseguiu permanecer preso em Natal. Aproveitando-se de uma
liberdade provisória de três dias, escondeu-se na fazenda de um primo na
Paraíba, onde permaneceu escondido alguns meses, daí seguindo para o Amazonas
onde ficou até a redemocratização e anistia, em 1945.
Quintino
Clementino de Barros e Eliziel Diniz Henriques, de Baixa Verde seguiram para
Pedra Preta onde foram presos poucos dias depois. Giocondo Dias dirigiu-se para
o município de Lages, onde permaneceu refugiado na fazenda de um amigo, Paulo
Teixeira, durante cinco meses. Em abril de 1936, devido a uma desavença de
caráter pessoal, foi esfaqueado por seu anfitrião, sendo preso e novamente internado
no Hospital Miguel Couto e depois transferido para o presídio militar no Rio.
José
Praxedes de Andrade e João Lopes, o “Santa”, tiveram uma trajetória digna de
ficção. Às quatro horas da madrugada, do dia 27, Praxedes caminhou
solitariamente de Igapó até a localidade de Pajuçara, na época uma área de
pequenos sítios, alguns de propriedade de sua família e recebeu abrigo de um
primo. Durante seis meses, até maio de 1936, viveu em um barraco de madeira no
meio de uma mata. Nessa época, veio a Natal um enviado do PCB que conseguiu
localizá-lo e transmitir um endereço no Recife para contato. Com o dinheiro que
tinha guardado, iniciou viagem a pé, durante a noite, até poucos quilômetros
após Nova cruz, onde tomou um trem clandestinamente até João Pessoa e daí de
ônibus para Recife e depois Salvador. Na Bahia, adquiriu nova identidade, com a
qual viveu quarenta e nove anos incógnito, até 1984, quando foi descoberto pelo
jornalista paulista Moacyr de Oliveira Filho. Em novembro de 1984 grava longa
entrevista que Oliveira transformaria em livro. Sofrendo de grave enfermidade
crônica, vem a falecer em 11 de dezembro de 1984.
“Santa”
viajou de automóvel por estradas secundárias até chegar ao território paraibano
e a partir daí, a pé até Pernambuco, durante doze dias. Em Recife faz contato
com o partido e chega ao Rio de Janeiro. Com a prisão de Prestes e de Miranda
em 1936, a polícia carioca apreende seu detalhado relatório sobre a insurreição
de Natal, que é anexado ao inquérito. Da mesma forma que em Natal, onde apenas
Praxedes conhecia sua identidade o que tornou impossível uma delação, no
inquérito do Rio não foi possível identificá-lo. Inexplicavelmente, mesmo
depois da anistia e da legalização do PCB, a identidade de “Santa” continuou
desconhecida de historiadores e jornalistas até 1984. Sem identificação, uma
das mais importantes figuras do levante sequer foi indiciada.
Epifânio
Guilhermino com a soma das penas, que incluiu o assassinato de Otacílio
Werneck, foi condenado a trinta e três anos de prisão, sendo a maior pena entre
todos os envolvidos. Lago, Macedo, Galvão, Quintino e Eliziel foram condenados
a dez anos; Giocondo e Praxedes, a oito anos; e Raimundo Reginaldo, a 3 anos.
Todos, com exceção de Galvão e Praxedes cumpriram suas penas e foram libertados
com a anistia política em 1945.
Conclusões
A insurreição militar e comunista de 1935, em Natal, ocorreu dentro de um contexto nacional no qual se destacavam a insatisfação popular com os rumos do governo Vargas, a crise econômica, a desilusão com as prometidas reformas políticas e a preocupação dos setores progressistas com o crescimento do integralismo. O Partido Comunista do Brasil vivia uma fase ufanista, na qual superestimava a mobilização popular da Aliança Nacional Libertadora, como se fosse exclusiva do partido. Prestes, isolado na clandestinidade, há oito anos afastado do país, acreditava nos relatórios fantasiosos de Miranda, o despreparado secretário-geral do PCB e julgava que o extraordinário prestígio que detinha no meio militar e no povo brasileiro se traduziria em apoio incondicional à revolução socialista. Os “tenentes” elementos progressistas do exército, descontentes com os caminhos tomados pela revolução de 1930 e com o fechamento da ANL, sem perspectiva de ação política e sabendo não haver condições objetivas para uma revolução de cunho popular, passam a articular um golpe, dentro da tradição militar desde a proclamação da República. Encontrando ambiente propício, apesar das resistências iniciais, levam seu guia e chefe militar, o PCB e a Internacional Comunista, a embarcar na aventura.
A insurreição militar e comunista de 1935, em Natal, ocorreu dentro de um contexto nacional no qual se destacavam a insatisfação popular com os rumos do governo Vargas, a crise econômica, a desilusão com as prometidas reformas políticas e a preocupação dos setores progressistas com o crescimento do integralismo. O Partido Comunista do Brasil vivia uma fase ufanista, na qual superestimava a mobilização popular da Aliança Nacional Libertadora, como se fosse exclusiva do partido. Prestes, isolado na clandestinidade, há oito anos afastado do país, acreditava nos relatórios fantasiosos de Miranda, o despreparado secretário-geral do PCB e julgava que o extraordinário prestígio que detinha no meio militar e no povo brasileiro se traduziria em apoio incondicional à revolução socialista. Os “tenentes” elementos progressistas do exército, descontentes com os caminhos tomados pela revolução de 1930 e com o fechamento da ANL, sem perspectiva de ação política e sabendo não haver condições objetivas para uma revolução de cunho popular, passam a articular um golpe, dentro da tradição militar desde a proclamação da República. Encontrando ambiente propício, apesar das resistências iniciais, levam seu guia e chefe militar, o PCB e a Internacional Comunista, a embarcar na aventura.
Em
Natal, as condições locais contribuíram para amplificar a motivação. Os
militares de baixa patente, muitos já excluídos, outros ameaçados, com uma
atuante célula comunista no quartel, há muito se encontravam aliciados por
tenentes de outras guarnições. A demissão coletiva foi o estopim que detonou o
levante antes da hora. Curiosamente, foi também a razão do sucesso inicial. A
surpresa, somada à incompetência do aparelho de segurança, contribuiu para que os
militares tivessem razoável apoio popular. O radicalismo das lutas partidárias
recentes, as demissões e perseguições do novo governo criaram o ambiente
propício para a adesão dos que se encontravam “de baixo”. Finalmente os
comunistas, apesar da oposição inicial e ignorando todas as avaliações
anteriores, não resistem ao glamour de protagonizar a “sua” aventura.
Ivis BezerraMédico, professor do Departamento de Medicina da UFRN; membro da Academia de Medicina do Rio Grande do Norte